Anos 1970: A Dama da Noite Gay de SP | Entrevista Elisa Mascaro

“[…] todo dia tem uma pessoa com dezoito anos que é homossexual e quer procurar a turma dele.”

(foto: Elisa Mascaro/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro/  créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Série anos 1970: Elisa Mascaro

Elisa Mascaro foi uma das personalidades mais importantes da história LGBT+ de São Paulo e do Brasil. No anos 1970, num período de repressão pela ditadura militar, ela acolheu a comunidade homossexual, reconheceu transformistas, travestis e transexuais como artistas, ofereceu trabalho com carteira assinada e todos os direitos, além de ter sido mais que uma patroa. Elisa foi amiga e como se não bastasse, ela se transformou em família de pessoas que foram abandonadas à própria sorte, discriminadas e renegadas por seus próprios familiares.

Em uma época de regime militar no Brasil, mesmo em uma década de abertura lenta para uma possível democracia, ainda havia muita repressão, preconceito e discriminação de diversas formas. As perseguições policiais às travestis, transexuais e homossexuais, considerados como seres anormais, eram comuns. Bem como as demissões de profissionais pelo mesmo motivo, além da censura a jornais que pudessem publicar matérias classificadas como ofensivas à moral e aos bons costumes. A exemplo deste último, destaca-se o caso de grande repercussão da “Coluna do Meio”, escrita pelo jornalista Celso Curi, no jornal A Última Hora, em 1977. Dentre outras ações coercitivas.

(foto: "Coluna do Meio/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: “Coluna do Meio/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)

Alguns dos fatores que instigaram o processo de redemocratização do país, a passos lentos, foram o crescimento de movimentos opositores ao regime militar, a crise econômica daquele momento e as denúncias de crimes cometidos por militares contra a humanidade. O que possibilitou algumas mudanças sociais que foram toleradas durante o período, como por exemplo as boates com shows de transformistas, na capital paulista.

Essas profissionais eram classificadas como artistas, desde que “se montassem” (se caracterizassem) dentro da casa de show. Do contrário, poderiam ser presas por usarem maquiagem, peruca, ou terem trejeitos afeminados em via pública. E se estivessem sem documento de identidade e carteira de trabalho, sem estar assinada com um emprego vigente, poderiam ser autuadas por vadiagem.

(foto: Capa do jornal "Lampião da Esquina"/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Capa do jornal “Lampião da Esquina”/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)

Na prisão e nas delegacias, as travestis e transexuais sofriam todo tipo de violência, desde humilhações por xingamentos até atos de tortura, como o prensamento de seus seios, em gavetas que eram fechadas com força, ao ponto deles estourarem.

Mas a vida de algumas dessas pessoas, consideradas como anormais, estava prestes a mudar por completo

(foto: Capa do jornal "Lampião da Esquina"/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Capa do jornal “Lampião da Esquina”/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)

O casal de empresários, Elisa Mascaro e Fernando Pinto Simões, do ramo de boate e restaurante na noite paulistana, nos anos 1970, coloca em prática o plano de abrir uma casa de show para o público homossexual. E com os moldes de casas de cabaré francesas. Na intenção de reunir a sociedade (a burguesia, por assim dizer, de artistas e jornalistas independentemente da sexualidade), e os artistas transformistas, travestis e transexuais. Estas últimas, unicamente com a finalidade de entreter o público com seus shows artísticos.

(foto: Elisa Mascaro e Fernando Pinto Simões/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro e Fernando Pinto Simões/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Naquela época, havia essa distinção de quem fazia parte da chamada “sociedade”, isto é, que atendia aos padrões da moral e dos bons costumes do período, e os que eram dissidentes, por serem homossexuais, travestis ou transexuais. Reunir esses grupos num mesmo lugar, para terem entretenimento, era algo inovador. Sem igual até aquele momento. Porque os lugares existentes na cidade, nessa fase, semelhantes a uma boate ou casa de show, na maior parte eram chamados de “inferninhos”. Por serem periféricos e darem lugar à prostituição, além da marginalidade atrelada a isso.

Assim, a abertura das boates Medieval em (1971) e, posteriormente, a Corintho em (1986), sob a direção artística de Elisa Mascaro, mudou a maneira de se fazer entretenimento para o público homossexual. E em consequência disso, a vida de seus frequentadores e funcionários foi impactada de forma significativa. Porque, pela primeira vez, alguns puderam, eventualmente, expressar a sua sexualidade. Já outros tiveram uma vida mais digna, com a sua carteira de trabalho assinada, benefícios e o reconhecimento de serem artistas.

E foi nesse ritmo de shows, com muito glamour e paetê – que disfarçaram, por muitas vezes, suas lágrimas -, que Elisa Mascaro se tornaria a dama da noite, na época de ouro das boates LGBT+.

A entrevista

Após quatro décadas e algumas transformações sociais desde a era da disco, no ano de 2014, eu fiquei fascinado com o filme “São Paulo em Hi-Fi” (2014), do cineasta gay brasileiro Lufe Steffen. Era um dos materiais mais ricos sobre a história LGBT+ do meu país, precisamente, da capital paulista. E eu havia visto a entrevista da Elisa Mascaro, que marcou aquele documentário. Eu me emocionei, bem como a plateia toda na sala de cinema onde eu estava. No fundo, eu gostaria de ter feito algo como aquele material, mas era impossível porque ele já havia sido realizado e, aliás, muito bem. Mas este filme despertou em mim um interesse ainda maior, em pesquisar a memória LGBT+ nacional. 

Então, eu quis entrevistar alguns personagens daquele documentário e escrever sobre eles. Posteriormente, isso acabaria sendo uma atividade à qual eu me dedicaria por algum tempo. E que me proporcionou conversas extraordinárias. As quais refleti para me auto analisar e interpretar melhor o meu meio social como homem gay. Sobretudo, eu pude entender que passado e presente convivem num mesmo tempo, pois as histórias se repetem, mas ganham diferentes versões.

Nesse mesmo ano, Elisa e eu nos conectamos pelo Facebook, trocamos mensagens e eu me apresentei como um jornalista interessado em entrevistá-la. E de fato, era isso. Então, eu disse a ela que faria algo similar ao trabalho do Lufe em “São Paulo em Hi-Fi” (2014). Ela, gentilmente, aceitou o convite e me deu seu número de telefone fixo. Liguei e conversamos um pouco. A ligação se resumiu a apresentações e troca de informações pessoais, por segurança.

Após isso, nós marcamos uma entrevista em seu apartamento.

No dia de nosso encontro, fazia sol e estava calor. Eu morava no lado leste da cidade de São Paulo. E me locomover de metrô até o bairro Vila Mariana, na zona sul, naquele início de tarde, foi complicado. Lembro que quase me atrasei e cheguei um pouco suado e sem fôlego, em frente à portaria do apartamento da Elisa. O porteiro me anunciou e eu subi. 

A senhora de setenta e quatro anos foi quem abriu a porta do apartamento. Ela estava usando um conjunto de moletom amarelo, com uma estampa de Hollywood. Parecia uma roupa retirada diretamente de algum armário dos anos 1970 ou 1980. Ela usava umas pantufas com estampa de onça, imitando a pele do animal. Seus cabelos são brancos na raiz, mas as pontas parecem ter um tom avermelhado, o rosto quase sem maquiagem, eu diria um tanto pálido, ela também usava brincos de argolas douradas. Elisa tem estatura baixa e uma voz com tom suave. Eu pude perceber que ela estava um tanto debilitada. E me receber foi mesmo muito gentil de sua parte.

Minha personagem percebe que estou sem fôlego, eu havia corrido muito da estação de metrô até o seu apartamento, para não me atrasar. Ela me oferece um copo d’água. E uma ajudante, que estava presente, a auxiliando com as tarefas diárias, me serve o líquido. Nesse momento, Elisa nos apresenta e diz que a mulher é na verdade como alguém da família. 

O apartamento é bem iluminado pela luz do dia, espaçoso e tem uma janela grande na sala. Através dela, posso ver alguns prédios e casas que ocupam o simpático bairro Vila Mariana. Minha vista alcança bem distante. A sala do apartamento é repleta de objetos e fotos, de rostos os quais eu, naturalmente, não conheço. Posso presumir que as crianças nas fotografias são seus netos. 

A impressão que tive, enquanto eu bebia água, era que o olhar de Elisa percorria sobre mim por inteiro. Um olhar curioso e ao mesmo tempo até receoso a meu respeito. Afinal, eu era um jovem de vinte e poucos anos, desconhecido e esbaforido, sentado em sua sala. Definitivamente, não era uma imagem que indicava credibilidade sólida. Mais adiante, eu saberia que ela havia falado com o Lufe, antes, para obter alguma referência sobre mim. Ele e eu já nos conhecíamos. E acho que isso ajudou na minha aproximação com a Elisa. 

Termino de beber minha água e não sei onde colocar o copo, a ajudante me indica a mesa de vidro ao lado do sofá, onde estou sentado. “Pode pôr aí na mesinha.” – ela diz e logo se retira. Para que a senhora de setenta e quatro anos e eu possamos conversar a sós. 

“Eu trouxe algumas anotações…” – eu digo.

“É bom. Aí você tem sentido, né?” – ela diz.

“Pra me guiar também. Tenho muitas anotações, coisa de jornalista…” – digo isso, enquanto ainda procuro meu caderninho de anotações, eu estava um tanto nervoso.

“É claro. Profissão, né?” – ela diz. Concordando com os comentários que fiz para ganhar tempo.

Mesmo assim, tento de alguma maneira demonstrar traquejo com a situação. A verdade é que eu apenas havia começado a minha jornada como escritor e entrevistador.

Nesse momento, meu bloquinho de papel estava enroscado no fio do carregador do meu celular, o que me deixou ainda mais tenso. Ao final, consigo me organizar e ligo o gravador para iniciar a entrevista.

A senhora está com setenta e quatro anos agora, começou o Clube Medieval 

“Não. K-7.” – ela se apressa em me corrigir. “Antes do Medieval, em 1971, a primeira boate, K-7, na Alameda Santos, quase esquina com a Bela Cintra.”  

E como surgiu essa ideia? 

“É que eu tinha um amigo gay que viajava muito para a Europa. O João Carlos. E meu marido tinha essa boatezinha, que era de casaizinhos de namorado à tarde, das 16 às 23 horas. Serviam pipoquinha, um amendoim… Aí ele chegou – o amigo João Carlos – da Europa e falou: ‘Elisa, a maior sensação na Europa é casa gay. Abre uma casa gay.’ – Aí, eu conversei com meu marido e a gente abriu o K-7 na Bela Cintra.”

(foto: Elisa Mascaro/ Reprodução de imagem do documentário "São Paulo em Hi-Fi", 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)

Então, foi ele que deu a ideia?
“É. O João Carlos. Ele vinha e voltava sempre, porque ele vendia roupa, como até hoje, compra roupa aqui, vende lá, compra roupa lá e vende aqui. E ele já fazia isso naquela época. Aí, ele sugeriu e meu marido topou.”

De acordo com a biografia “Elisa Mascaro: A Empresária dos espetáculos das noites de São Paulo – A BIOGRAFIA” (2019), de Marcelo Bértoli, no ano de 1971, Fernando Pinto Simões em parceria com sua esposa e seu primo, Nivaldo, criam uma sociedade para gerenciar a K-7. Que deixa de ser uma boate de casaizinhos abrindo às 16 horas. Para ser uma boate gay com funcionamento a partir das 22 horas. No mesmo lugar e com mesmo nome. E durante algum tempo as coisas funcionaram tranquilamente. Até que o tumulto na rua, causado pelos frequentadores, além da música alta, despertaram a ira de um personagem local.

Elisa continua: “Só que lá era uma zona residencial ainda, não era comercial. Então, a polícia baixava lá toda hora, como o pessoal não tinha pra onde ir e era muito pequeno também, então, ficava o pessoal na rua. E tinha um senador que morava lá e ele chamava a polícia pra gente. Um dia a polícia foi lá e quis levar todo mundo. Aí meu marido falou: ‘Não. Não vai levar ninguém. Eu sou responsável, eu vou. Eu vou fechar aqui e eu prometo pra vocês que eu vou abrir uma casa em uma zona comercial.’ – Abrimos o Medieval na Augusta, com estacionamento próprio, com tudo. Nunca tinha tido uma casa daquele jeito.”

(foto: Porta da Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Porta da Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Para a senhora era natural?

“Pra mim era natural. Meu marido era português e como bom português e sabia ganhar dinheiro, ele viu que o ramo era maravilhoso. Quando nós entramos nesse ramo, ele falou: ‘Elisa, nunca mais saia dele.’ – É um ramo que todo mundo tem mais dinheiro, porque não tem compromisso com marido, mulher, filho, tudo. Então, eles só ganham para a faculdade, para passeio e para roupa.”

O biógrafo Bértoli (2019) em seu livro sobre Elisa Mascaro menciona o primeiro encontro dela com o empresário Fernando Pinto Simões. Ele se deu no Riviera Bar, um bar e também restaurante sofisticado, que ainda é vigente, localizado na Rua da Consolação, esquina com a Avenida Paulista. 

Naquele momento, segundo Bértoli (2019), Elisa era uma mulher que, apesar de jovem, já havia vivido situações muito dolorosas e complicadas. Como a perda da mãe, o convívio conturbado com uma madrasta e uma gravidez não planejada aos dezenove anos. Este último fato a havia colocado na posição de mãe solteira, sofrendo o estigma da sociedade e da própria família.

Em meados de 1959, isso era a pior coisa que poderia acontecer a uma mulher. Numa época em que o machismo e os valores conservadores eram ainda mais agressivos que nos tempos atuais. Mas Elisa, com a ajuda de uma tia, se mudou do interior do estado e veio para a capital, onde inclusive morou numa associação para mulheres que eram mães solteiras, a APAM (Associação Paulista de Amparo à Mulher).

Já estabelecida em São Paulo, no dia 29 de Julho de 1960, ela teve seu primeiro e único filho, César Augusto, com a saúde perfeita e um lindo par de olhos verdes. Esse evento mudou completamente a concepção de Elisa a respeito do que poderia ser o amor. A partir do nascimento do bebê, ela começa a trabalhar em diferentes empregos e num deles, ela inclusive tem a oportunidade de aprender francês. 

Elisa havia sobrevivido às dificuldades e era pouco provável que precisasse de um homem a seu lado, para ajudá-la no sustento de seu filho e no dela mesma. Mas a ternura e as delicadezas oferecidas a ela e a César Augusto, por parte de Fernando Pinto Simões, foram honestas o bastante, para que os dois decidissem se casar.

(foto: Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Após o casório, Fernando fez questão de incentivar sua esposa a participar de seus negócios. Era uma tentativa de garantir que Elisa pudesse administrar tudo sozinha, mesmo com o falecimento dele. A saúde de Fernando era frágil em razão de uma artrite reumatoide, que limitava suas atividades em alguns momentos.

De fato, os dois estiveram casados por dezesseis anos, até o empresário falecer na década de 1980. Precisamente em agosto de 1986, nove meses depois da inauguração da boate Corintho.

Devido ao ritmo de trabalho, Elisa sequer pôde viver o luto do marido. Ela o sepultou num dia. E no outro, já estava retomando os ensaios das artistas para os shows da casa.

A era Medieval

Mas antes da morte do marido de Elisa e antes da Corintho, a inauguração da boate Medieval em 19 de agosto de 1971 era o início da época de ouro da noite gay paulistana. O empresário Fernando Simões em sociedade com Waldemar Issa compraram uma boate que estava falida e devendo muito, localizada na Rua Augusta, numa área comercial, próxima a Avenida Paulista. Para então encerrarem a fase da boate K-7 e iniciar a era Medieval.

(foto: Porta da Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Porta da Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Marcelo Bértoli (2019) detalha o início da administração da casa, que teve Elisa como funcionária, com direito à porcentagem de lucro da bilheteria. Além de estar encarregada da recepção dos convidados e dos eventos comemorativos. Logo depois, ela assume a coordenação do elenco de artistas da boate.

(foto: Porta da Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Porta da Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Segundo ela, no dia da inauguração, foram recebidos de volta mais de 1500
convites que foram distribuídos. “Então, foi aquele sucesso e a casa já estava muito bem montada, com tudo medieval, muito bonito. O pessoal se animou demais e aí a gente impulsionou. Inaugurou em agosto e no dia 6 de setembro a gente fez o primeiro show de travesti. Fui na cidade procurar as travestis.”

(foto: Convite Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Convite Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

A biografia escrita por Bértoli (2019) menciona que a boate Medieval evoluiu
artisticamente, com o passar do tempo e a experiência dos profissionais envolvidos no negócio. Os shows ficaram mais elaborados com coreógrafos, bailarinos, orquestração e figurino. Referente às apresentações, elas eram de início por semana, logo foram duas, três, quatro apresentações semanais, e aos sábados havia discoteca para o público.

(foto: Convite Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Convite Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elenco Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elenco Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elenco Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elenco Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Bailarinos da Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em HiFi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Bailarinos da Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elisa Mascaro e elenco da Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São
Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro e elenco da Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

E para ir atrás de referências de boate gay?

“Meu marido era da noite, sempre teve boate, bar, restaurante. Português, né? Então, ele já tinha conhecimento da coisa, aí meu amigo já não participou, porque a gente já conhecia as pessoas todas, deslanchou o Medieval. Vinha gente da Alemanha filmar, gente do Japão filmar a casa, o show, porque não existia.”

Bértoli (2019) apura que a boate tinha como proposta temática uma decoração que remetesse à Idade Média. E dentre as características estruturais do lugar, citadas pelo biógrafo, estão um piano bar, cabine de iluminação e som, palco das apresentações e os camarins das artistas.

(foto: Elisa Mascaro na Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro na Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elisa Mascaro e convidados na Boate Medieval/ Reprodução de imagem do documentário
“São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro e convidados na Boate Medieval/ créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

O material biográfico ainda ressalta que o Restaurante L ́Absinthe, vigente de 1975 até dois anos após o encerramento das atividades do Medieval, ajudou a impulsionar a popularidade da boate. Ele estava localizado na Rua Bela Cintra. E era um negócio entre Fernando Simões, marido de Elisa, e o empresário Waldemar Issa. O espaço contava com uma arquitetura em art déco, um cardápio à base de culinária francesa e era frequentado pelos artistas e personalidades mais importantes da época. Elisa costumava estar no restaurante e comentar com os frequentadores ilustres sobre a Medieval. E os clientes, movidos pela curiosidade ou porque já tinham ouvido falar, acabavam sendo atraídos para visitar a boate.

(foto: Restaurante L ́Absinthe / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em HiFi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Restaurante L ́Absinthe / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Restaurante L ́Absinthe / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Restaurante L ́Absinthe / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

O Medieval era uma casa totalmente gay?

“Quando eu inaugurei era totalmente gay. Totalmente gay.”  

As pessoas que não eram gays também frequentavam? 

“Frequentavam. Tinha um colunista que era muito famoso, o Giba Um, você já ouviu falar.” – ela se refere ao jornalista brasileiro famoso por escrever em colunas sociais. “O Amaury Junior estava começando.”- Elisa cita o apresentador brasileiro de talk show e programas sobre a vida de famosos. “Então todos eles iam assistir o show do Medieval. E aí que a sociedade entrou em peso na noite com a gente. Vinham os gays e a sociedade. Que sempre andaram juntos, né? Cabeleireiros, maquiadores, costureiros, Denner, Clodovil, José Nunes… nem vou falar o nome de todos, porque eu vou esquecer de algum.”  ela menciona algumas das personalidades brasileiras famosas da alta costura, daquele momento, no Brasil.

(foto: Boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
Dentre outros nomes famosos do período que frequentavam o Medieval estão: Chiquinho Scarpa – socialite brasileiro, famoso por seu comportamento excêntrico. “Meu cliente de habitué, né? Ele ia com uma turma da gente que era da sociedade. Se o show tinha começado, ele mandava começar de novo, pagava cachê extra para o pessoal, para começar de novo o show e ele assistir com o pessoal que ele chegava.” – relembra Elisa, que inclusive comentou que certa vez ele chegou até de ambulância à boate. “Ele aprontava também”. A atriz e humorista Dercy Gonçalves, o cantor Ney Matogrosso, o escritor e apresentador Jô Soares, o ator Ney La Torraca, e a excêntrica ex-jurada de programas de calouros Elke Maravilha são outros nomes de destaque. “Era habitué…” – Elisa diz a respeito de Elke.
(foto: Chiquinho Scarpa e Fernando Simões na Boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Chiquinho Scarpa e Fernando Simões na Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elisa Mascaro e Elke Maravilha na Boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro e Elke Maravilha na Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

A ideia desde o início era tornar algo mais elitizado? 

“Era. Sempre procurando elevar a categoria. Nos domingos, a gente servia jantar de graça – ela acentua bem o detalhe de ser gratuito o jantar – à luz de velas e os garçons com luvas.”

(foto: Elisa Mascaro e Fernando Simões na Boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro e Fernando Simões na Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Além da novidade dos shows de travestis, os jantares e a presença ilustre de artistas, outra coisa colaborou com a popularidade do Medieval: as chegadas triunfais de alguns frequentadores do lugar para a festa intitulada de “Noite da Broadway”, que era a comemoração do aniversário da casa em 19 de agosto.

Elisa relembra: “Aí punha os spots na rua, eu parava a Rua Augusta. Só descia a Rua Augusta quem ia para a boate. Eu pedia reforço na CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – e eles vinham dar cobertura. E parava a Rua Augusta, ficava o cordão de isolamento, ninguém circulava naquele quarteirão da Paulista. Era um sucesso. Aqueles spots, na rua, de cinema, sabe? Aqueles ‘panelões’ de cinema rodando e tal, iluminando a rua. A gente aprontou coisa na ‘Noite da Broadway’, dia 19 de agosto era um escândalo. O pessoal fazia roupa, as decorações também eram muito bonitas…”

(foto: Elisa Mascaro / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Elisa Mascaro / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
foto: Convidados indo à boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
foto: Convidados indo à boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Houve muitas chegadas de convidados para a “Noite da Broadway” que marcaram a história do Medieval. Mas sem dúvidas, duas delas se destacam nos depoimentos e memórias de personagens da época.

Talvez a mais emblemática seja a chegada de Wilza Carla, uma vedete famosa por seu trabalho como atriz no teatro de revista, na TV e cinema brasileiros. Na ocasião, Wilza desceu a Rua Augusta, para chegar ao Medieval no número 1605, montada em uma elefanta cedida pelo antigo Circo Orlando Orfei. As pessoas se aglomeravam para ver aquela cena extraordinária. Mas a presença do público e o barulho fez com que a elefanta se assustasse, se movendo de uma maneira que derrubou a vedete em meio a aglomeração. As pessoas foram ao delírio e aplaudiram.

Um momento que se tornou épico, talvez até na história da cidade. O fato é relatado tanto no livro biográfico “Elisa Mascaro: A Empresária dos espetáculos das noites de São Paulo – A BIOGRAFIA” de Marcelo Bértoli (2019), quanto no documentário “São Paulo em Hi-Fi” de Lufe Steffen (2014).

(foto: Wilza Carla em “Noite da Broadway” na boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Wilza Carla em “Noite da Broadway” na boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Wilza Carla em “Noite da Broadway” na boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Wilza Carla em “Noite da Broadway” na boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: “Noite da Broadway” na boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São
Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: “Noite da Broadway” na boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Outro momento inusitado foi a chegada de Darby Daniel, produtor cultural e amigo próximo de Elisa. Em uma das festas da “Noite da Broadway”, ele chegou vestido de “Bela Adormecida” – a personagem de Walt Disney. Ele vestia camisola e estava dentro de um caixão forrado de flores. Darby chegou à Rua Augusta transportado em um Cadilac. Ao entrar na Rua Augusta, ele foi barrado por policiais, em razão do bloqueio da via e por estar usando roupas femininas em um local público. Era época de ditadura e isso poderia ser encarado como ofensa à moral e aos bons costumes, passível de prisão. Entretanto, ele burlou os oficiais e pôde passar sem maiores problemas e fazer a sua chegada triunfal.

Em outra festa de aniversário da boate, ele se vestiu de Branca de Neve e levou sete anões reais, como espécies de complementos da fantasia. Conta-se que um príncipe de cavalo branco chegou à porta do Medieval para despertar a personagem de Darby. E com um beijo de contos de fadas, Branca de Neve cospe a maçã e entra no evento acompanhada de seus anões. Ao longo da noite, os homenzinhos não demoraram muito para encontrar companhia pelo lugar.

(foto: Darby Daniel em “Noite da Broadway” na boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Darby Daniel em “Noite da Broadway” na boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Esses episódios também são documentados por Bértoli (2019) em sua biografia e Steffen (2014) em seu documentário. Elisa relembra: “Tinha camelos na porta, meu marido uma vez soltou quarenta carneiros na rua, descendo a Rua Augusta. A gente aprontava naquela época e era ditadura, né? O pessoal da 4ª Delegacia era nosso amigo.”

E qual foi o motivo do Medieval ter fechado? 

“O Medieval, eu parei antes.” – Elisa deixa o negócio em 1978. “Meu marido continuou a sociedade, – com outro antigo sócio – mas eu não, eu briguei com ele – o outro sócio – e saí da sociedade. Eu entrei com um tipo de pagamento e no fim não quiseram me dar. Aí quando o Medieval fechou, – em 1981 – virou casa de comida por quilo. Vitória chamava a casa. Eu nunca mais fui lá, não pisei mais lá. Fiquei parada alguns anos, fui morar na praia. E daí a gente voltou e inauguramos a Corintho.”

(foto: Vinil com os sucessos da disco que tocaram na boate Medieval / Reprodução de imagem do
documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Vinil com os sucessos da disco que tocaram na boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

A era Corintho

A Corintho foi inaugurada em 1985 com uma estrutura muito maior do que a boate anterior. O escritor Bértoli (2019) detalha, em seu livro sobre Elisa, as características do novo prédio de quatro andares, dentre elas estão: um salão principal, pista de dança, bar para os próprios clientes se servirem, um amplo salão com mesas, além do palco com uma escadaria. Este último desejado por todas as artistas transformistas que conheciam o trabalho de Elisa Mascaro como diretora artística.

O biógrafo ainda dá detalhes da programação. A respeito dos shows, por exemplo, eles aconteciam às quartas, quintas, sextas e domingos, já aos sábados havia somente a pista de dança para o público. Elisa de olho no sucesso da casa, viajava com frequência à Europa, para buscar referências e enaltecer os espetáculos.

(foto: Convite boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Convite boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Fachada Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014,
de Lufe Steffen)
(foto: Fachada Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Quais as diferenças que houve?

“A gente entrou com mais experiência. Já entrou com show direto, sabendo, já tinha noção, clientela. Só que lá em Moema – a Avenida dos Imarés, 64 -não tinha nada, só Shopping Ibirapuera. Não tinha essas casas que hoje tem.”

Como era a administração das travestis para trabalhar? 

“Era eu que tomava conta. Eles eram bonitos mesmo, não existia silicone, enchimento, não existia nada. As travestis eram bonitas, porque eram bonitas mesmo. Tanto como homem ou como mulher, outra categoria. Hoje, não. Todo mundo põe peito, ‘bomba’ – anabolizantes -, enchimento, isso não existia.

(foto: Artistas Transformistas / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Artistas Transformistas / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

E o regime de trabalho?

“Carteira assinada, décimo terceiro, cesta básica, plano de saúde, a gente dava tudo. Não trabalhava fora do esquema, tudo corretíssimo.”

E também tinha um rigor em cima do trabalho? 

“Tinha. Eu era muito brava. Hoje, eu sou calma. Mas eu tinha que ter pulso muito firme para lidar com todo mundo. Dava jantar toda noite para eles, antes de abrir a casa, para os garçons, os funcionários todos. Até às 22 horas tinham que chegar para comer. Porque depois, quem chegasse depois das 22 horas não tinha janta, mas chegavam sempre antes, porque tinha ensaio, 19 horas já começava o ensaio. Jantavam e iam se preparar para o show, que era à meia-noite em ponto. Poderia falar que era o príncipe, que era o rei que ia chegar, ‘não’, meia-noite soltava o show. Era regra.”

(foto: Funcionários da boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em
Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Funcionários da boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)
(foto: Funcionários da boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em
Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Funcionários da boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

(foto: Elisa na boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”,
2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa na boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

E as músicas? 

“A gente escolhia, eu tinha uma equipe. A maioria dos travestis era cabeleireiro, maquiador e estilista. Então, a gente se reunia de dia: ‘que música você quer fazer?’, – tocava, se eu aceitasse entrava. Aí eles desenhavam as roupas e eu falava: ‘vamos fazer essa.’ – Eu ia na 25 – a rua famosa para comprar muitos tipos de insumos, em grandes quantidades, a preços melhores – e comprava todos os panos. Eu tinha quatro, cinco costureiros que eu mandava fazer as roupas. Era toda uma equipe que funcionava.”

(foto: Boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

O cenário também?

“O cenário eu tinha marceneiro direto, pago por mês para fazer o cenário. Eu tinha um marceneiro que trabalhava fixo comigo. Então, se eu quisesse mudar as cortinas, também tinha um cortineiro, eu tinha quatro, cinco cortinas.”

Os travestis que faziam os shows eram considerados artistas? 

“Artistas. Atores transformistas. O nome deles era atores transformistas. Não eram mais travestis. Desde o Medieval eram atores transformistas.”

(foto: Boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

 E como veio o declínio da Corintho?

“Veio o declínio quando começou a abrir muitas casas. Meu marido faleceu, com nove meses de Corintho. Ele faleceu em 1986. Então, eu fiquei sozinha. Meu irmão era meu sócio, mas ele era veterinário, trabalhava para a prefeitura. Ele mexia a parte financeira. Eu ficava com a parte de show, de receber as pessoas. Na Corintho, a gente tinha sessenta e sete funcionários trabalhando registrado. Era uma empresa mesmo.”

(foto: Elisa Mascaro na boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em
Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro na boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

E como foi para a senhora, sendo mulher naquela época, levar um negócio desses adiante?

“Eu agradeço a todas as pessoas que eram minhas amigas. Meus clientes viraram meus amigos. Todos me respeitavam, uns tinham medo, outros respeitavam. Porque eu era rigorosa. Não era boazinha. Eu tinha sessenta e sete famílias para sustentar, então, a gente tinha que ter uma hierarquia, um respeito, que hoje não existe mais. E a gente, antigamente, investia para ganhar o dinheiro. Hoje, ninguém investe mais, todo mundo só quer ganhar. Teve uma época, que eu tinha dezesseis travestis e doze bailarinos em cena, conforme o tema a gente fazia as produções, mas eu ia muito para Paris assistir os shows.”

O que existia naquela época, comparado ao que existe hoje, em relação às casas, o que mudou? 

“Mudou tudo meu filho. Primeiro lugar, você ia lá para olhar e ser olhado, ser visto. Você se vestia esmeradamente pra você namorar. Hoje, não. Eu nunca tive ‘quarto escuro’, eu não serviria para ter uma casa hoje. O estilo meu era diferente. Era para você ir lá assistir um show, namorar, começar a caçar, convidar para ir ao teatro, num cinema, jantar. Depois de assistir o show. Aí, você partia para outras coisas. Você não tinha ‘quarto escuro’, eu acho que não precisa ter isso. Mudou muito nisso. 

“E outra coisa, ninguém quer investir mais, todo mundo só quer vender bebida e ganhar dinheiro. Hoje, o travesti não é registrado. O travesti, hoje, não tem plano de saúde, na minha época tinha. Hoje, eles põem um disquinho debaixo do braço, um vestidinho e uma peruca na bolsa e vai fazer show.”  

Então a senhora acha que ficou banalizado? 

“Não. Mudou o tipo de investimento. Antigamente, se investia para ganhar. Hoje, eu vejo como as travestis profissionais antigas sempre tiveram cabeça. Todo gay sempre tem cabeça boa. A pessoa não dava valor, a gente deu valor.” 

O que a senhora chama de cabeça boa? 

“Cabeça pra frente. Evoluída, com esplendor, com riqueza, com chic, com saber usar as coisas. Tem gente que não sabe, mas você pode pegar um homossexual e ele sabe o que ele quer da vida. Sempre soube.” 

Antes de entrar nesse mundo de empresariado, qual era o seu relacionamento com os homossexuais? O que mudou do antes para o depois de embarcar nisso?

“Quando eu tinha quinze anos, eu tinha um primo que era homossexual, ele era o maior festeiro aqui de São Paulo. Ele se chamava Carlinhos Mascaro. Ele morava com o Clodovil.” – Elisa se refere a Clodovil, o icônico estilista brasileiro famoso por seu trabalho e suas polêmicas no âmbito social. “Eles eram amiguinhos e eu conheci eles antes de entrar nisso. Quando eu tinha quinze anos e eu vinha passar férias em São Paulo, eu já ia às festas deles gays, ninguém sabia quase. Eram festas maravilhosas que eu ia com meu primo. Então, sem pensar que um dia eu ia ter uma casa, eu tinha amigos já.”

(foto: Boate Corintho / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em Hi-Fi”, 2014, de
Lufe Steffen)
(foto: Boate Corintho / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

No documento biográfico de Bértoli (2019), a apuração documenta que a Corintho esteve vigente de novembro de 1985 até 1992. Após Elisa deixar a sociedade em novembro de 1991, seu irmão, Luís Fernando Mascaro, deu continuidade às atividades da casa, até a boate fechar.

Aids

Nesse mesmo período, as décadas de 1980 e 1990 viveram o auge da epidemia e, posteriormente, a pandemia de Aids. O alarde se dá primeiramente nos Estados Unidos no ano de 1981. Quando o Centro de Controle de Doenças dos EUA publicou um artigo relatando, um crescente número de casos de homens gays com um tipo de pneumonia rara. Os infectologistas, ao longo de suas pesquisas, começaram a detectar que o grupo mais atingido era, de fato, homens que faziam sexo com homens. E por este motivo, a doença ganhou, inicialmente, o apelido de “peste gay”.

Os anos seguintes demonstraram que os homossexuais não eram o único grupo vulnerável à doença. Foi constatado que ela poderia infectar qualquer pessoa que, de alguma forma, tivesse contato com o vírus. A época foi marcada por uma trágica sequência de mortes de pacientes infectados. Não se tratava de uma “peste gay”. Ela havia se mostrado democrática o bastante para dizimar centenas de vidas, indiscriminadamente, ao redor do mundo.

(foto: Jornais da época noticiando de forma pejorativa o auge da epidemia de HIV/Aids /
Divulgação)
(foto: Jornais da época noticiando de forma pejorativa o auge da epidemia de HIV/Aids /
Divulgação)

A senhora comenta no documentário do Lufe Steffen, – diretor do longa “São Paulo em Hi-Fi” (2014), o qual Elisa participou a época da Aids.

“Foi terrível. Bom, teve o Markito.” – ela menciona o estilista brasileiro, da década de 1970, que foi uma das primeiras vítimas famosas da doença Aids em 1983. “O primeiro contato mesmo que eu tive com a Aids foi antes de inaugurar a Corintho. Em 1985 que eu já tive bailarinos meus, que trabalhavam na Corintho, já ficaram doentes. Aí que eu entrei de cabeça na Aids. Eu já frequentava o GAPA, eu fui uma das fundadoras do GAPA também.” – primeiro grupo brasileiro de apoio à prevenção da Aids. “Era difícil, quando deu mesmo, era bailarino, era travesti, era a turma toda, eu enterrei muita gente.” – ela inspira e expira o ar pausadamente e acentua a emoção. “Muita, muita… Perdi muito amigo, cliente, tudo. Empregados, muitos empregados, cozinheiros, garçons, mestres, perdi muita gente.”

Através de seus olhos, era possível vê-la revirando essas memórias ainda muito vívidas. 

Qual era o pensamento diante dessa onda? Era de que ia acabar tudo? 

“Não, não. A gente sempre tinha a esperança na cura da doença. Os negócios continuavam, porque filho – ela se refere a mim como filho – todo dia tem uma pessoa com dezoito anos que é homossexual e quer procurar a turma dele. Eu dava amparo, comprava AZT… – ela menciona o primeiro medicamento contra a doença comercializado a partir de 1987 – Nos Estados Unidos. Porque não existia no Brasil e não dava de graça. Eu vinha de caixa aqui pra minha casa, eu morava aqui já, tem quarenta e três anos que eu moro aqui, nesse apartamento. Vinham caixas, eu distribuía na Corintho. Tanto para os empregados, funcionários, marido de funcionário, fazia enterro. Entendeu? Era muito triste essa época.” 

Sua voz fica embargada e a emoção transparece nos olhos. As lágrimas percorrem seu rosto.  

A senhora comentou também que havia famílias que não iam.

“Marido de travesti que morreu e a família não queria enterrar. Eu tinha um camareiro que se chamava Núbia, ele me ajudava muito, ele que ia comigo no IML – Instituto Médico Legal – tirar cadáver até de noite. Naquela época, foi muito triste.” 

Desde minha entrevista com Elisa Mascaro, em 2014, eu sempre soube da sua perda, que lhe causou uma dor inestimável. Talvez mais do que qualquer outra. Quase ao final desse nosso encontro, eu caminhei com ela pela sala de seu apartamento. Uma das coisas que me chamaram a atenção, foi um grande quadro pendurado na parede. E nele, havia um homem muito bonito montado a cavalo, com olhos verdes intensos. Eu fiquei fascinado pela imagem e perguntei a ela quem era ele. Elisa me respondeu que se tratava de seu filho, César Augusto.

Nesse momento, ela me confidenciou que a morte dele foi por complicações da doença Aids. Ela me disse que ele não era homossexual. Eu nunca quis escrever sobre isso até ler a biografia dela, em que ela relata o assunto com mais detalhes. No documentário de Steffen (2014), ela faz uma menção somente. Mesmo durante nosso encontro, evitei perguntas aprofundadas sobre esse tópico. Eu sabia que era algo muito íntimo. Até onde sei, não há informações divulgadas publicamente, sobre em quais circunstâncias o filho de Elisa se infectou pelo HIV.  

Segundo a apuração feita pelo escritor Marcelo Bértoli, autor de “Elisa Mascaro: A Empresária dos espetáculos das noites de São Paulo – A BIOGRAFIA” (2019), a descoberta da contaminação pelo vírus e o falecimento de César Augusto, aconteceram no mesmo ano, em 1991. Os sintomas se iniciaram com mal-estar, uma gripe forte constante e alergias pelo corpo, posteriormente problemas renais. Após vários exames e procedimentos médicos, foi sugerido um teste que resultou positivo para o HIV. 

A biografia de Bértoli (2019) ainda relata que mãe e filho tentaram encontrar possíveis técnicas modernas ou alternativas, para o tratamento da doença. E que Elisa ficou arrasada e ao mesmo tempo perplexa com tal realidade. Porque ela não havia percebido sinais comuns à infecção em César. Justamente ela que testemunhou o padecimento de tantos outros doentes. 

Infelizmente, ainda naquele início da década de 1990, ser contaminado com HIV era uma sentença de morte. César Augusto passou por um período de depressão e só obteve uma melhora com a ajuda de seu amigo, Benedito Cerezzo Pereira Filho. Marcelo Bértoli (2019) apura que foi em 4 de novembro de 1991, às 21 horas, no hospital Sírio Libanês, na cidade de São Paulo, que César Augusto faleceu. Houve a cremação de seu corpo e, após dois anos, as cinzas foram jogadas ao mar em Ilhabela, no litoral paulista. Segundo os dados levantados por Bértoli (2019), era um desejo dele. 

Elisa havia perdido o amor de sua vida, mas, ao mesmo tempo, encontrava parte dele em seus netos. César Augusto deixou dois filhos, Leonardo Augusto e Júlio César.

A senhora acredita que essa época mudou a sua visão do que é o amor por outro ser humano? 

“Não, porque eu já tinha isso. Eu fui criada numa família muito religiosa. A família da minha mãe era muito religiosa, eu tinha três tias freiras. Eu sempre estudei em colégio de freira. Amor ao próximo já vem de berço. Isso já vem de berço.” 

E a senhora manteve? 

“Mantive. Eu vi meus amigos… Eu tinha um jornalista, se chamava Pedro Moreira, o Carioca, ele era meu braço direito na Corintho a respeito de música, de show, que me ajudava muito. Ele ficou doente antes da inauguração da Corintho, eu acompanhei ele, só foi morrer em 1989. Ele sofreu muito e eu vi tudo aquilo também. De ter que comprar colchão d’água pra ele, de pôr gente para fazer comida para ele, muito triste. Essa época foi muito dolorosa.”  

A senhora pensa que as pessoas, hoje, não têm uma ideia próxima do que foi essa época? 

“Não. Eles não têm noção do que foi essa… Que chamava ‘peste gay’ lá nos Estados Unidos. Eram os ricos que traziam, porque eram os milionários que iam nos clubes de Nova York gay e vinham com a doença. E espalhou no nosso meio, mas eles não tinham noção que morria mesmo. Naquela época, quem não teve algum caso na família, um caso próximo que morreu, de namorado, amigo, parente? Todo mundo naquela época teve um caso. Foi muito triste. Depois que viu que não era uma doença gay… Sei lá eu, de onde que veio isso. Pouca gente morre hoje. Demora dez, quinze anos para morrer. Antigamente, ficava nove meses e morria, quatro ou cinco meses você já via a pessoa emagrecer e ficar só pele e osso, e morrer. Porque não tinha remédio.”

O que a senhora vê que mudou no modo dos gays se relacionarem? A senhora diz que antes eles iam ao clube para namorar. E agora banalizou? 

“Não, eu acho que não banalizou.  Eu acho que mudou, o mundo mudou também. Antigamente, você usava o telefone, hoje, você tem telefone na sua casa? – ela faz uma pergunta retórica – Você não tem mais. A televisão já não é mais um veículo, ela era o único veículo antigamente que você tinha. Eu sou da época que o telefone era de manivela. Você nunca ouviu falar nisso. Então, o conceito. O contato. Mudou. E eu acho maravilhoso.

“Quanto mais coisa, melhor que venha. E o respeito pelas famílias mudou. Mudou. Informação, informática está aí, celular, blog, esses negócios, é tudo imediato hoje em dia. Antigamente, demorava um mês pra chegar o que acontecia na guerra. Agora, tudo é imediato, tá tudo na sua cara, na exposição ali para você ver tudo que acontece. Você é que tem que discernir o que é bom e o que é ruim para você.” – ela faz uma breve pausa, põe seu olhar sobre mim e eu continuo a digerir suas palavras.“Não é? Hoje, o avião explodiu lá e você viu em tempo real. 

“Cada um, hoje em dia, é cada vez mais responsável por você mesmo. Antigamente, apartamento era grande, agora se faz apartamento de vinte e cinco metros quadrados, sessenta metros quadrados e a pessoa vive ali, naquele negocinho. Então, o livre arbítrio, hoje, é seu. A cada dia, passa a ser mais responsabilidade sua, a sua vida. E você é que vai ter que conduzi-la. Tudo é moderno, tudo é novidade, tudo é pra frente, mas a cada dia fica mais difícil para a pessoa se conduzir. Quantos anos você tem?” 

“26”. – eu respondo. “Imagina! A idade do meu neto mais novo.” – ela diz. 

Eu sorrio.

(foto: Elisa Mascaro / Divulgação)
(foto: Elisa Mascaro / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

A senhora se sente sozinha? – eu faço a pergunta, enquanto olho pela janela e vejo que o sol já está se pondo.

“Claro. Quem é que não tem solidão? Mas a gente tem que se superar. Não sei se é porque eu sofri muito na vida, eu perdi minha mãe com dois anos de idade. Você sabe que quando você não tem mãe, a vida da gente já é sofrida de criança.” 

Eventualmente, eu saberia por meio da biografia de Elisa, escrita por Marcelo Bértoli (2019), que sua mãe tinha problemas de saúde relacionados ao coração e faleceu, por essa razão, aos 29 anos.

“Eu acho que, hoje em dia, eu não tenho mais solidão, porque eu tenho um computador e você vai pro mundo inteiro. É diferente, eu não sabia mexer, faz um ano que eu mexo com computador. Eu não sabia mexer com computador. Meu neto me chamava de analfabeta eletrônica, porque eu não sabia, depois um dia ele falou: ‘Vó, senta aqui, vamo explicar…’. Então hoje, eu sei pouquinho, não sei muito. Eu só sei falar com todo mundo, nem postar foto eu sei. Foto quando põem são meus amigos, porque eu não sei pôr ainda. 

“Eu tenho essa minha ajudante, – ela se refere a jovem que me serviu o copo com água – como se fosse da minha família. Eu moro sozinha desde que meu marido faleceu. Eu perdi meu filho também, meu filho tinha trinta e um anos quando faleceu. Só que ele me deixou dois netos. Então, hoje, eu tenho um neto bombeiro e outro neto veterinário com vinte e cinco anos. Eles não deixam eu ficar só. 

“E depois de tudo que a gente sofre, a gente sofre do coração, eu tive que operar do coração, já tive outro infarto depois da operação. A qualquer hora, eu posso morrer, mas eu acho que a vida é boa para ser vivida. Eu acho que tudo valeu a pena. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena.”

Nos dados biográficos de Bértoli (2019), ironicamente a respeito de seu coração, Elisa é descrita como uma exímia atleta em seus tempos de escola. E que seu esporte predileto era o basquete.

Não mudaria nada? 

“Eu não mudaria. Aceitaria tudo de bom grado.”

Com as perdas…

“As perdas só te engrandecem, te fortalecem ou te derrubam de vez. Então, você tem que lutar pra ficar mais forte.”  

A senhora acha que existem muitas pessoas sozinhas? 

“Demais. É o que mais existe hoje em dia. Tem certas pessoas que são casadas e são sozinhas, têm alguém do lado e não têm ninguém. Você sabe que não tem ninguém. Então, você sabe que tem que se fortalecer. Como é que eu vou entrar em depressão sozinha, morando numa casa dessas? Não pode, não existe. 

“Eu nunca fui a um psicólogo, psiquiatra, eu tive sempre que enfrentar tudo. Antigamente, não existia. – ela se refere aos médicos psicólogos e psiquiatras – Isso é coisa dos mais modernos. Eu tenho setenta e quatro anos, vou fazer setenta e cinco, ano que vem, se eu ainda tiver aqui, porque de uma hora para outra eu posso morrer. 

“Tem que viver. A vida é para ser vivida, você que é novinho do jeito que você é, – ela fala pausadamente com cada palavra carregada de emoção – tem que curtir a sua vida. Dar valor aos seus familiares. Também não é todo familiar que é bom, tem familiar que é ruim, – ela alerta – mas você tem que sempre procurar ser feliz e com honestidade, que hoje não tem muita.” 

Após a entrevista, Elisa me mostrou o computador que ela usava para se comunicar com o mundo. Depois nos sentamos para assistir novamente ao documentário “São Paulo em Hi-Fi” (2014), de Lufe Steffen. Ela me oferece algumas balas de café e vai comentando sobre cada personagem que surgia no vídeo. Estávamos ela e eu rindo e nos emocionando com um filme do presente, mas que contava muito de um passado de glórias e também de dores inevitáveis.

Em 2016, houve um “reviver” dos antigos shows de artistas transformistas, sob a direção artística de Elisa, no Hotel Renaissence. Mas durou pouco tempo.

Ela faleceu quase cinco anos depois dessa entrevista, em abril de 2019, aos setenta e oito anos. Seu corpo também foi cremado, assim como de seu filho.

(foto: Elisa Mascaro na Boate Medieval / Reprodução de imagem do documentário “São Paulo em
Hi-Fi”, 2014, de Lufe Steffen)
(foto: Elisa Mascaro na Boate Medieval / créditos: Acervo Elisa Mascaro, curador Marcelo Bértoli)

Há cinquenta anos, Dona Elisa Mascaro desafiou a moral e os bons costumes
vestida com muito glamour e paetê. Ela queria ser feliz, ainda que sem qualquer garantia. E o resultado foi trocar o dia pela noite. E o medo, pela coragem de dizer “sim” pra vida. Porque nessa dança, parafraseando um bando de mulheres frenéticas dos anos 1970, o importante é dançar mesmo sem querer, mesmo sem saber… DANCE SEM PARAR!

Entrevista concedida em São Paulo, 1 de Setembro de 2014.

Texto atualizado em 11 de Agosto de 2023

Leia também: O Jogo deu Coluna do Meio | Entrevista Celso Curi

Fontes consultadas:

“São Paulo em Hi-Fi” (2014), Lufe Steffen

Elisa Mascaro: A Empresária dos espetáculos das noites de São Paulo – A BIOGRAFIA – Marcelo Bértoli | 1ª Edição, Editora Perfil Editorial | 2019

Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e a busca da verdade (vários autores), organizadores: James N. Green e Renan Quinalha. Editora EdUFSCar (Editora da Universidade Federal de São Carlos), 4ª Reimpressão (2021).

Viva a Vida: Herbert Daniel, o Amor e a AIDS nos anos 80 – Parte 1 de 3 – TV Manchete, 1990

Morre Elisa Mascaro, a rainha da noite LGBT Paulistana

Autor: Adriano Sod

Jornalista | Escritor | Ator | Criador de Conteúdo Digital

3 comentários em “Anos 1970: A Dama da Noite Gay de SP | Entrevista Elisa Mascaro”

  1. Atualmente se percebe muitas pessoas casadas, mas sem qualquer evidência de conjugal! Não chega a dois dígitos nesses 12 anos de vizinhança o número de vezes que o casal acima do meu apartamento tenha demonstrado ter transado: nem falo de sons “naturais” mas ela de bom humor no dia seguinte ou ele naquele urinar depois de liberar o gozo! Atualmente estou mais no “efeito menstruação”: excitação por atração sem transar, onde mesmo ocorrendo o gozo fisiológico, tem o urinar mais, depois! Não sei se ela pensa que eu esteja acompanhado, deixa nitido me “observar” se emito sinal de relaxamento pós transa :)!

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